O ecologista Jean-Philippe Beau-Douëzy em entrevista ao jornal Público, lembra que os problemas ambientais de que se falavam há 40 anos são os mesmos, mas com a agravante de terem piorado. Numa abordagem mais global, acredita que a solução para o bem-estar do planeta está na mudança de comportamentos.
Jean-Philippe Beau-Douëzy, ecologista e engenheiro consultor na área do ambiente, há mais de 40 anos que luta pela conservação da natureza. Hoje, quer continuar a plantar árvores nativas porque diz serem o futuro da humanidade. Trabalha há 11 anos na Fundação Yves Rocher, em França, onde é administrador do programa Plant for the Planet que consiste na plantação de 100 milhões de árvores em vários continentes com o objectivo de combater a erosão do solo, a perda de biodiversidade e recursos hídricos e para ajudar a agricultura local.
Que questões se discutiam em 1978 e que ligação têm hoje com as preocupações sobre a sustentabilidade e a eficiência das cidades?
Interessante que a conversa é a mesma. As questões são as mesmas, mudou a situação, que piorou. Por exemplo, naquela época a situação do mar não era a de hoje, não tinha tanto lixo. A situação na Amazónia não estava como hoje, estava muito menos desmatada, claramente. Também a biodiversidade não tinha a loucura de desaparecimento de hoje. As questões não mudaram, são as mesmas: o consumo de energia, o lixo. Por isso, o importante é fazer e não discutir. Não é preciso falar mais, tem que se fazer. Temos muitas áreas degradadas, muita terra degradada.
Como se aplica a todo o planeta uma política capaz de gerir e conservar o ambiente?
A questão não é política, a questão são as pessoas. A real pergunta é: será que as pessoas, hoje em dia, são capazes de entender que têm que plantar uma árvore? Se cada humano neste planeta for plantar uma árvore já vai mudar alguma coisa. Os políticos só falam e acabou. A responsabilidade é de todos nós. Cada um pode fazer e tem de fazer.
Nesse contexto, até que ponto temos de mudar a forma como vivemos?
Vamos ter de mudar e de nos adaptar com certeza. Especialmente no ocidente, onde temos um gasto enorme e temos, sempre, um consumo incrível. Há dois lados que têm de mudar: consumir menos e melhor e mais produtos locais. O comércio local deve ser apoiado.
Já reparei que em Portugal há muito a tradição de ter uma horta em casa – isso é muito bom e tem de continuar, é um bom caminho. Em França as hortas desapareceram. As pessoas compram verduras, até as biológicas, no supermercado. Isso é um absurdo. As verduras que se encontram no supermercado fizeram mil ou dois mil quilómetros para lá chegar e isso é um gasto brutal para o ambiente.
Entre todas as problemáticas ambientais, qual é a que mais lhe interessa? Porquê?
Hoje em dia, o que mais me interessa é realmente a plantação de árvores porque o futuro da humanidade vai depender delas.
Sabemos que as mudanças climáticas existem e que têm efeitos na corrente do Golfo, efeitos visíveis. Estas mudanças climáticas e outras actividades humanas têm um efeito incrível na qualidade do solo, da terra, mas nós precisamos dela para nos alimentar.
Temos perdido muita terra por causa da erosão e da salinização dos solos e o que pode proteger e reconstituir a terra são as árvores. Elas são a verdadeira fábrica do solo. Hoje, continuamos a fazer a desflorestação e a monocultura da plantação de árvores – o que não presta, nenhuma das duas. Nenhum dos casos vai ajudar e ainda piora se usarmos árvores como pinheiros ou eucaliptos. As folhas do eucalipto têm um processo de decomposição muito lento e vão deixar a terra em más condições a longo prazo. Devem ser plantadas árvores nativas porque estão adaptadas ao solo. É preciso plantar uma árvore no coração das pessoas.
Acha que a tecnologia vai alguma vez conseguir vencer tudo aquilo que as árvores nativas fazem pelo nosso planeta?
A solução não é a tecnologia. A tecnologia está na moda e parece que vamos consertar a natureza com a tecnologia. Só que a única coisa que conseguimos fazer com a tecnologia foi acabar com muito do ambiente. Ainda temos muito a aprender com a natureza. Isto não quer dizer que a tecnologia não possa ajudar, mas a primeira coisa é estudar. Ainda não estudámos todos os pontos de como funciona uma floresta. As árvores são capazes de fotossíntese e nós não conseguimos replicar isso com tecnologia, até agora. Fazemos painéis solares muito poluentes, com muitos gastos. Não há comparação com o que faz a natureza. Além disso, é preciso perceber que o que é mais barato para parar o CO2 [dióxido de carbono] são as árvores.
O factor económico também é, por isso, importante?
Hoje em dia também tem de se considerar esse ponto. Mas não podemos pensar que vai ser só crescimento económico. Por exemplo, os eucaliptos têm uma saída económica muito fácil que é o fabrico de papel. Mas, a longo prazo, será que necessitamos de mais papel? Temos tanto papel no planeta que podemos reciclar. Os eucaliptos não vão conservar o solo e é preciso ver se há outras culturas que se possam encaixar de um ponto de vista mais ecológico.
Defendeu, durante muitos anos, a preservação da Amazónia e continua a fazê-lo. Como encara que possa vir a ser o seu futuro com Jair Bolsonaro no poder?
No Brasil há grandes empresas de agricultura e a bancada ruralista é muito poderosa. São essas grandes empresas que fazem o desmantelamento da Amazónia. Isto não vai mudar porque Lula também não fez grande coisa pela Amazónia. As empresas vão continuar a desmantelar a Amazónia, a menos que haja uma pressão internacional. Mas não chega essa pressão ser dos políticos, tem de ser das pessoas. A questão na base é a do consumo porque o voto, hoje em dia, não quer dizer nada. O verdadeiro voto prende-se com aquilo que você vai comprar e isso é o seu voto quotidiano.