Foi através de Marta Pinto, licenciada em Biologia, mestre em Ciências do Mar e ainda defensora da conservação do meio ambiente através da plantação de árvores, que surgiu o “FUTURO: projeto das 100 mil árvores”, cujo os resultados foram apresentados num livro.
Reflorestar, conservar e envolver são palavras de ordem no dicionário de Marta Pinto.
O que começou por parecer uma “ideia um bocadinho louca” acaba de cumprir o seu objetivo. Oito anos passados e mais de 100 mil árvores plantadas, a bióloga Marta Pinto desvenda o que nos reserva o FUTURO.
A Fundação Yves Rocher promove desde 2009, em Portugal, o prémio ‘Terre de Femmes’. O objetivo é premiar e distinguir mulheres portuguesas, com projetos de cariz ecológico e sustentável. Na 3.ª edição, a vencedora foi Marta Pinto com o seu projeto ‘FUTURO’. Um reconhecimento que deu “um enorme impulso” à iniciativa e que atraiu “muitos voluntários”, que até então não sabiam que também podiam ajudar a ‘vestir’ com mais verde a Área Metropolitana do Porto (AMP).
Em entrevista ao Notícias ao Minuto, a bióloga Marta Pinto contou como em 2003 começou – ainda sem saber – a pensar no FUTURO e a deixar a sua marca na cidade que a viu nascer.
Quando, e como, é que a bióloga Marta Pinto decidiu pôr ‘mãos à obra’ pelo ambiente?
Sou bióloga de formação e ao longo da minha experiência profissional, que já tem alguns anos, fui professora, trabalhei numa organização não-governamental (ONG) de ambiente na aérea da educação ambiental, depois a trabalhei na área da comunicação ambiental, estive ligada a projetos como a revista Fórum Ambiente. Em 2003, vim para a Universidade Católica Portuguesa, onde ainda estou, porque estava um pouco cansada de fazer educação ambiental na ótica de sensibilização, de explicar às pessoas o que elas deviam fazer. Queria passar a tentar trabalhar com as pessoas mas numa ótica de participação, de serem elas a identificar os principais desafios ambientais e a tentarem trabalhar em conjunto para os resolver. Estive durante muitos anos a trabalhar em projetos de participação pública e este projeto que coordeno neste momento [o FUTURO] acaba por ser um fruto deste percurso. Falamos de um projeto que tem a participação pública, que envolve as pessoas na melhoria do território à sua volta, mas que por outro lado tem também uma componente de aprendizagem.
Apesar de o arranque oficial do FUTURO ter sido em 2010, estamos a falar de um trabalho de preparação alguns anos antes?
Sim. Em 2003 comecei na Católica a elaborar um plano estratégico de ambiente da AMP, que envolveu cidadãos, organizações regionais (autarquias, empresas, etc), e identificou os principais desafios ambientais da região. Cinco anos depois, em 2008, este estudo culminou num documento que identificou os principais desafios: a necessidade de envolver os cidadãos em processos ativos de melhoria ambiental; a necessidade de maior colaboração entre organizações para resolver problemas, ou seja, aquilo que notamos é que cada um resolvia os seus problemas à sua escala, mas na verdade os problemas ambientais não têm fronteiras administrativas – por exemplo, na AMP, as pessoas podem moram num concelho, ter os filhos a estudar noutro, e estar a trabalhar noutro; e para isso era necessário que todos, em conjunto, contribuíssem de uma forma muito ativa para a reorganização e melhoria do estado da nossa floresta. Nós vivemos numa área metropolitana muito heterogénea. Temos áreas muito densas mais urbanas, mas temos uma percentagem de território de 40% que é área florestal. A AMP tem uma componente rural e florestal com bastante significado e era necessário melhorar este interface até entre as áreas mais rurais e florestais e as mais urbanas. Foi um desafio que saiu deste trabalho.
Foi o ponto de partida…
Estes eram os três desafios em mente. E em 2010, e com os vários parceiros que já tinham participado neste estudo pensámos ‘porque não tentarmos desenvolver um projeto que nos ajude a dar resposta a estes três desafios’ e foi assim que nasceu o projeto FUTURO. Na altura era uma semente muito pequenina, mas que nos fez começar a refletir, a pensar numa metodologia para pô-lo em prática – como vamos identificar áreas por plantar, quem vai identificar, onde vamos arranjar árvores, quem são as pessoas que percebem mais desta temática. Eu sou bióloga mas não sou florestal, as minhas colegas também não são da área florestal, portanto tínhamos que reunir à nossa volta o conhecimento e os recursos para ‘dar o pontapé de partida’. Na altura parecia muito pouco provável, até uma ideia um bocadinho louca, a verdade é que hoje estamos aqui.
Os voluntários, que têm também um papel importante no projeto, quando é que foram convidados a entrar em ação?
No desenho inicial, trabalhámos principalmente com as autarquias, associações de proprietários florestais, e com algumas associações de defesa do ambiente. Os voluntários foram chamados mais tarde, quando começamos a fazer atividades no terreno, em 2011. E nessa altura, a primeira coisa que fizemos foi um curso – a que chamámos Embaixadores da Floresta – e que tinha como objetivo formar os cidadãos para que pudessem vir a desempenhar um papel ativo neste processo da gestão florestal futura na região.
Atualmente, contam com quantos voluntários?
Já temos no projeto cerca de 16 mil participações voluntárias e que resultaram já em 55 mil horas de voluntariado. Desde o início do projeto até julho de 2018, fomos ao terreno 627 vezes com voluntários. Para ir plantar, fazer manutenção – voltamos anualmente às áreas para ver o que está a acontecer, se as árvores estão vivas, se estão a desenvolver-se bem – os voluntários também nos ajudam neste processo e temos também convidado os cidadãos para fazer propagação de plantas – nós temos um viveiro e as pessoas podem participar nas sementeiras, onde já fizemos 627 atividades. São um grupo muito heterogéneo, temos pessoas de todas as idades, algumas, que vêm com os avós, crescem no terreno connosco. Mas também contamos com estudantes universitários, fisioterapeutas, empresários, biólogos…
A escolha da Área Metropolitana do Porto para a intervenção do FUTURO prende-se com alguma carência especifica?
Era aqui que estávamos a trabalhar. A Universidade Católica desenvolveu este plano estratégico na AMP e aqui se encontrou o terreno fértil para que esta semente pudesse germinar. Houve muitos nutrientes, muitas pessoas, que apoiaram o avanço desta ideia – que no início pareci pouco sólida mas que foi sendo alimentada acabando por se transformar em algo muito concreto e com resultados. Depois estamos a falar de uma área metropolitana constituída por 17 municípios. Há uma grande heterogeneidade, é um território muito amplo, empobrecido, e até subaproveitado. A AMP tem 40% de área florestal e dessa 90% está ocupada com monoculturas, por indústrias de produção de madeira – há muita monocultura de eucalipto, de pinheiro bravo – e as espécies nativas que fazem parte do nosso património estão cada vez mais acantonadas a pequenas áreas. A nossa proposta é aproveitar áreas ardidas, com nenhuma gestão, ou áreas ocupadas com plantas invasoras, e tentarmos recuperá-las para as nossas espécies nativas.
Sendo um projeto premiado e com resultados, foi desafiada para replicá-lo em outras cidades?
Temos muitos contactos. Este é, aliás, um dos resultados bastante interessantes do FUTURO. Recebemos muitos contactos de outras regiões a perguntar como fazemos, se podemos partilhar a nossa experiência. Somos convidámos para conferências para explicar como fazemos este trabalho. Mas temos explicado também que a AMP têm ainda muito por fazer e que não queremos expandir porque este é o nosso solo fértil, o nosso foco. Mas partilhamos, claro, toda a formação que podemos com quem queira fazer o mesmo. Temos até observado que muitos voluntários que já colaboraram connosco estão agora a criar os seus próprios movimentos. Criaram as suas associações, áreas de trabalho mais definidas em alguns locais. O projeto acabou por inspirar e capacitar muitas pessoas para desenvolverem os seus próprios projetos. São as pequenas sementes que já começam a germinar a partir do FUTURO. Isso dá-nos um prazer imenso.
Mas o terreno da AMP tem, certamente, características particulares e que o diferenciam do terreno de outro concelho. É um trabalho que pode ser ‘transportado’, digamos, para outra cidade?
Quando nos contactam explicamos como foi possível este projeto acontecer. Explicamos que fizemos: contactos com proprietários, autarquias, adquirimos conhecimentos técnicos, identificamos áreas de acordo com determinados critérios, ou seja, damos o modus operandi para que outros possam replicá-lo mas adaptando-o à sua realidade. Temos consciência que nascemos num contexto particular e esta metodologia nunca vai funcionar se for aplicada de uma forma ‘chapa cinco’. Cada região vai ter uma dinâmica completamente diferente.
Este reconhecimento é importante, como terá sido também a conquista do prémio ‘Terre de Femmes’ em 2013, praticamente no arranque do FUTURO.
Foi muito importante. [Em 2013], sim, o projeto estava nos seus inícios, a dar os primeiros passos, e o prémio ‘Terre de Femmes’ veio dar-lhe um enorme impulso. Não só do ponto de vista da divulgação, o que fez com que aumentasse o conhecimento do que estava a ser feito na região, mas também do crescimento do projeto – muitos voluntários vieram ter connosco após o prémio. [Além disso] ajudou a reforçar o que estávamos a fazer. Somos uma rede com muitas pessoas, técnicos, organizações, e temos que fazer uma gestão diária destas peças do puzzle. O prémio veio ajudarmos a consolidar este puzzle e reforçou o papel de cada um destes elementos.
E agora? Oito anos passados, mais de 100 mil árvores plantadas, e um livro editado, a tarefa está dada por terminada?
O livro ‘Oito anos e 100 mil árvores depois’ surge agora porque foi ultrapassada a meta, e resulta numa reflexão sobre o que fizemos nos últimos anos. [Ao mesmo tempo] tem também o objetivo de partilha desta experiência, o que correu melhor, pior, e os resultados alcançados. Surge como um ponto de reflexão e de partilha. Mas o trabalho continua, estaremos também nós agora, equipa da universidade, de espírito aberto para debater com os parceiros, envolvidos no FUTURO, qual o próximo passo. Vamos plantar mais 100 mil? Vamos consolidar as áreas já intervencionadas? Claramente, este projeto ainda está numa etapa da sua vida que ainda pode fazer muito pela região, depende também da vontade que os parceiros queiram colocar nesse processo. Isto só funciona quando todas as entidades e pessoas estão envolvidas. E não podemos esquecer que, a partir da primeira plantação, ficámos logo com esse ‘bebé’ nas mãos. A manutenção começou nesse momento e a ‘mochila’ tem vindo a crescer. Porque cada nova área que entra no projeto obriga-nos a partir do ano seguinte a já estar a ter que garantir a manutenção. E isso não pode ficar por fazer.